Lamas

(Mulheres e instrução)

Ao terminar a crónica anterior, escrevía-se que a jeropiga era bebida de mulheres. Talvez alguém pensasse que não estava a elogiar as mulheres da freguesia. Somente queria dizer que não parece mal gostar do que é bom.

Felizmente na hora actual, não temos um único caso de mulher que beba demasiadamente.

Já presenciei, várias vezes, pessoas do sexo feminino que precisavam de entrar no estabelecimento que é mercearia e taberna onde se encontravam vários homens a confraternizar, voltarem atrás, levadas por uma espécie de pudor.

Desde criança, ouvia dizer que podem não ser muito «igrejeiras», isto é, frequentadoras dos Sacramentos, mas graças a Deus, em geral, são todas muito educadas.

Em tempos, não muito recuados, evitava-se que as raparigas aprendessem a ler e a escrever. Diziam que essa prenda era pre­judicial por favorecer a correspondência secreta entre namorados.

Deve ter sido o reflexo do aparecimento das cartas de amor da freira de Beja.

Foi Nossa Senhora de Fátima que acabou com essa ideia, ao mandar a irmã Lúcia a aprender a ler.

Apesar disso, na década de vinte, houve duas professoras de Instrução Primária, sobrinhas direitas da esposa do sr. Professor Joaquim Gomes do Rosário — Donas Judite e Estela que morreu prematuramente. Também se aposentaram, há pouco a prima Laura Basílio da Silva e a menina, Castro, sem falarmos na Dona Maria da Conceição Lopes Fernandes Teodoro Moreira de Oliveira.

Curso universitário, porém, só a Doutora Lucinda, de Chão de Lamas, teve a coragem de o fazer, licenciando-se em Direito.

Temos hodiernamente três raparigas à porta da Universidade.

Uma notável dama francesa — Isabel Leseur — escreveu que «Toda a alma que se eleva, eleva o mundo».

È bom que se convençam de que, elevando-se até aos bancos da Universidade, elevam ou honram também esta família paroquia! do Lamas.

Houve tempos em que algumas senhoras — as Mestras — se dispunham a ensinar às raparigas o que sabiam desde a costura à doutrina e as primeiras letras.

Encontrei várias dessas Mestras em lIhavo. Vila Nova de Anços, Cabril e Viduail Na minha meninice também conheci uma dessas Mestras em Pousafoles. Chamava-se Ermelinda da Conceição Pereira.

Teve uma aluna — Maria do Pranto Rosa Lopes que hoje teria 92 anos se vivesse. Tinha verdadeira paixão pela leitura. Vi-a muitas vezes manter conversa com doutores porque lia e compreendia.

Cerca do ano de 1920, os senhores Professores Joaquim Gomes e D. Lucinda Quintas começaram uma pequena biblioteca com numerosos e interessantes livros... Se houvesse maior gosto pela leitura, essa biblioteca incipiente ter-se-ia mantido e aumentado, como os seres vivos que crescem.

Fico triste ao notar o pouco interesse pela leitura que muitas raparigas manifestam. Não só esquecem o pouco que aprenderam na escola ou na catequese, mas também não desenvolveram os seus conhecimentos.

Se devemos «aprender até morrer» é impossível cumprir essa obrigação natural, se não formos amigos de ler.

Tenho um antigo recorte do jornal «Novidades» penso eu — e peço vénia  para o transcrever.

Dizia Santo Agostinho antes de se baptizar, ao ver a vida de muitos mais ignorantes e pobres que ele: «Se aqueles puderam, porque não poderei  eu»?

Leiam pois, com atenção este exemplo. Penso que também algumas hão-de exclamar: «Se aquela pode, porque não poderei eu?»

A HISTÓRIA FORMIDÁVEL DUMA CRIADA DE SERVIR     _..'..

Uma mulher, que tem apenas 28 anos, filha de família pobre, órfã de pai e mãe desde muito nova, era aos 15 anos criada dum médico em Friburg: todos os dias os patrões a viam sair de casa, sob os mais frívolos pretextos, sem saberem para onde, durante nada menos de dois anos:, e uma noite ao acabar de lavar a loiça do jantar a criadita anuncia aos seus amos estupefactos que findara naquele dia os seus estudos secundários com um diploma honrosíssimo: depois foi para a Universidade doutorar-se em ciências, e, passando três anos, obtida a láurea em Química-Física, adquire também o título de engenheiro, por Berlim: depois encontrou Marconi, o grande sábio católico, que inventou a telefonia-sem-fios com outro sábio católico, Branly, e o grande sábio chamou-a logo para sua colaboradora mais próxima na solução das várias questões que se prendem com a Radiofonia: e, hoje, esta amiga criada de servir, rapariga modesta, de aspecto franzino, mas cujo sentido investigador causava o espanto de Marconi, é uma entidade genial, a quem os sábios de todo o mundo dirigem as suas consultas sobre os mais árduos problemas da tele-dinâmica!

...Essa extraordinária mulher chama-se Berta Kump...e, já nos esquecia dizer, é católica de comunhão diária.

“Mirante”, Ano 9º, nº 106, 1 jan.1987, f. 3