Miranda em 1116

 

Um semanário de Lisboa “A Rua” publicou, no seu número 219 um artigo com a epígrafe supra. Seria de lamentar que o “Mirante não se fizesse eco desse artigo Vou tentar remediar essa falta.

Na segunda metade do século nono, Dom Afonso III de Leão conquistou Emínio. O bispado de Conimbriga transitou nessa altura, para Emínio e, por isso, começou a dar-se a esta cidade o nome de Coimbra.

Com o andar dos tempos, a velha Conimbriga desa­parecia. Lembro-me de ela, há uns 60 anos ser um olival.

Os moiros não se resignaram a perder Coimbra. Por isso, em breve, voltaram a apossar-se dela. (Última edição da História da Igreja em Portugal, por F. de Almeida, pág. 64).

Foi em 1064 que Fernanda Magno fez a reconquista definitiva de Coimbra. (Ibid. pág. 89).

0 Conde D. Henrique, pai de Afonso Henriques, nas­cido em 1111, foi-se apoderando dos territórios, vizinhos da cidade. Lembro-me de ter lido em Rebelo da Silva esta curiosidade: O Conde D. Henrique mandava ao Pá­roco de Penela que desse de côngrua, todos os anos, ao Bispo de Coimbra “um alqueire de mel e duas peles de gineta”.

Conclui-se que antes de Dom Afonso Henriques ser rei de Portugal, já estas vizinhanças de Coimbra esta­vam povoadas por cristãos. As incursões dos mouros, porém, eram quase cons­tantes. Para defender Coimbra, estabeleceram, pois, três castelos como guardas avançadas da cidade. Foram Mi­randa do Corvo, Soure e Santa Eulália.

Toda a gente conhece os castelos de Miranda e Soure. Mas o de Santa Eulália onde será?

Até prova em contrário, estou convencido de que era perto da povoação, vizinha de Montemor-o-Velho, cha­mada Quinhendros.

Há com efeito até umas ruínas que ninguém me sabe informar de que sejam. E, não longe da entrada das pontes de Maiorca, num alto torneado pela estrada que segue para a Ereira, ergue-se a Capela de Santa Eulália. Não será o monumento que lembra o antigo cas­telo de Santa Eulália?

Os mouros não se resignaram a perder estes terri­tórios a que chamavam “a formosíssima terra”. Por isso, sob o comando de Ibn Fátima, em 1116, saiu de Sevilha um exército constituído, como se lê na vida de São Martinho de Soure, por uma “ingenti agarenorum multitudine” (incontável multidão de agarenos)..

Deu-se, pois, uma temível invasão. Partida de Sevi­lha quatro semanas antes, causou uma grande mortandade, fez numerosos cativos, começando por Miranda cujo Castelo foi arrasado. Os estudiosos chegam mesmo a determinar as datas: saída de Sevilha em 15 de Maio de 1116; ataque a Miranda em 1 de Julho do mesmo ano.

Desde então apenas se encontram, naquele cabeço alguns vestígios da antiga fortaleza e, na tradição, con­tinuou a chamar-se ao caminho que vai da ponte da estrada de Lamas à feira da Sardinha “por detrás do Castelo”. Numa remodelação da torre da igreja, já no meu tempo, também enfeitaram a mesma torre com ameias para lembrar o antigo Castelo.

Poucos anos depois fortificaram a vila de Penela. Contudo, no tempo das invasões francesas, ainda a vila de Podentes, apesar de ser do Concelho de Penela, “pertencia à Capitania mór das ordenanças de Miranda do Corvo” (Belisário Pimenta).

O Conde Dom Henrique já falecera mas ficou em seu lugar essa mulher forte que merecia ser perpetuada no bronze, Dona Teresa, com um filho nos braços que devia ser o primeiro Rei da Portugal.

O ataque a Miranda, Soure e Santa Eulália em 1116 não foi mais que uma preparação do Cerco a Coimbra que se deu em 1117 com um exército, vindo de Córdova, sob o comando do respectivo governador Yahya Ibn Taxfin (Herculano).

Não tardaram muitos anos que Dom Afonso I não marchasse pelos vales de Condeixa, Zambujal, Rabaçal, Tomar, Santarém... e Dom Afonso II não varresse do Algarve o resto da moirama que dominou o povo cristão desde o Século 8.° (711).

Estávamos finalmente livres desses terríveis inimigos.

“Mirante”, Ano 3º, nº 32, 1 nov.1980, f. 1, 2