Lamas

(Um nome e uma data)

 

Uma vez, no Lumiar em Lisboa, fiz assim a minha apresentação a um velho doutor que estudara em Coimbra:

Sou um pobre Cura duma aldeia desconhecida que se chama Lamas de Miranda.

— Não conheço? — respondeu. E se eu lhe disser que considero essa zona, de Lamas à Lousã, a mais bela do mundo por causa daquela tonalidade etérea que o terreno xistoso dá aos seus verdes e flores?!

Encheram-se-nos os olhos de lágrimas, a ele de saudade e a mim de gratidão pois que julgava que só eu me convencia de pertencer à terra mais linda do mundo.

O terreno xistoso, porém, só começa na falda do Cabeço, à Cervajota. Vindo para Norte, já o terreno, é vermelho. Os lugares da Azenha, Urzelhe e Fervenças estão assentes sobre rochas e terras vermelhas. A própria água tem um sabor pronunciado ao óxido de ferro.

E logo aparece outra faixa de terreno e rochas brancos. Foi aí que surgiram as povoações de Cerdeiras, Casais, Lamas e Pousafoles.

Há rochedos majestosos e, em tempos passados, talhavam neles grandes blocos (os broeiros) para fazer as paredes.

Finalmente, na parte Norte e Poente, há uma grande extensão de terra e pedra calcária, coberta de vinhas e olivais; é o bairro e a paúla. Era do vinho que lá se produz, que o Dr. Armando Rego Falcão afirmava não haver melhor em Portugal...

É, de certeza, devido a estas faixas de terra, tão diversas, que a freguesia tomou o nome de Lamas. Todos sabem que as suas casas estão assentes sobre Lapas que não são propícias à lama.

Quando Pinho Leal nos informa que a freguesia do Espírito Santo de Lamas era da apresentação do Prior de Miranda e recebia a Côngrua anual de 45.000 réis, deve ter-se baseado nalguma informação antiga. Foi pena não ter dito em que ano a paróquia se tornou independente.

Os registos de baptismo só começaram em 1561, sendo pároco Gaspar de Guimarães. Pensei que, lendo os primeiros registos de Miranda, saberia qual foi o último baptizado de Lamas e assim chegava a uma conclusão. Os cálculos saíram-me errados. Com efeito, o primeiro livro de registo de Miranda só começa em 1571.

É como diz Belizário Pimenta (n.° 56 de “Mirante”): “Tudo é incerto e, até ao século XVI, só se pode fazer obra no campo das hipóteses”.

Contudo, no citado artigo, o mesmo estudioso, amigo de Miranda, informa que nos começos do século XV, D. João I mandou fazer um recenseamento a que deram o nome de ”resenha geral dos povos”. Nele se verifica que Lamas tinha 14 vizinhos, Urzelhe 17 e Fervenças mais que Pousafoles.

Faço, pois, esta hipótese: Ligado à aclamação de D. João I ou à questão que se resolveu em Alfarrobeira, um fidalgo foi obrigado a fixar a sua residência no lugar inóspito de Urzelhe. Esta povoação conheceu um surto de desenvolvimento por causa duma indústria, ali fundada junto do paço, que, é tradição, terá sido uma fábrica de curtumes.

Ainda há quem se lembre (eu sou um deles) de velhas casas numeradas, à maneira das cidades.

Neste tempo eram todos profundamente religiosos, a começar pelos fidalgos. Por isso, não se contentaram com a velha capelinha da Senhora da Ajuda aonde, em tempos não muito recuados, vinha num dos dias, a procissão das Ladainhas da igreja de São Salvador de Miranda.

Estou, pois, convencido de que os moradores dessas casas que ainda hoje, se chamam o paço, usaram da sua influência para se fundar a paróquia, escolhendo Lamas, como sítio mais central, para sede.

Se esta hipótese se confirmar, temos de concluir que Lamas foi fundada nos fins do século XIV.

“Mirante”, Ano 7º, nº 73, 1 abr.1984, f. 1, 2