Lamas

(Instrução)

 

 

 

Actualmente talvez não haja na paróquia um por cento dos adultos que não saiba escrever o seu nome. Mas houve tempos em que não foi assim.

A Igreja Católica é que começou a preocupar-se com a instrução, abrindo escolas nas Catedrais, nos Conventos e nalgumas paróquias mais progressivas, os professores eram os padres.

Decerto sabem todos que Santo António começou a frequentar a escola da Sé Catedral de Lisboa, passando ao Convento de São Vicente de Fora e depois ao de Santa Cruz de Coimbra que já tinha mestres formados na Universidade de Paris. Ainda hoje os estudantes e mestres tradicionalistas de Coimbra, usam um vestuário que faz lembrar o dos padres.

Num artigo de Belisário Pimenta, inserto no Boletim da Universidade de Coimbra, diz-se: “Nesta altura (5-1-737) só tenho conhecimento dum Mestre de Gramática, Manuel Baptista da Cruz, morador em Lamas, que também se intitulava Mestre de estudantes. Era então homem dos seus 40 anos”.

Haveria, pois, em tempos recuados, ao lado de oficinas de aprendizes para vários ofícios, escolas improvisadas em que os estudantes pagavam um tanto para sustento dos Mestres.

Os inúmeros sacerdotes e doutores que a freguesia deu à sociedade, não podiam ir para a Universidade ou Seminário sem estarem instruídos nas primeiras letras.

Na Sala dos Capelos em Coimbra, está o retracto dum Lente que nunca deu aulas e que nasceu em Pousafoles em 27 de Maio de 1829. Estudou primeiro no Brasil (Baia)e vindo a Portugal, fi­cou entusiasmado com a inteligência dum seu parente também de Pousafoles de nome Luciano Ferreira. Meteu-lhe em cabeça que se preparasse e fosse depois com ele à Baía. Havia de fazer dele um doutor.

O caso é que o homem ainda frequentou uma escola superior em Penela. Porém a namorada não aprovou o projecto; disse-lhe, pois, que fosse para a Baía, mas que acabava o namoro... preferiu não ser doutor. Era o meu avô materno. Tenho ali arquivado um ofício da Câmara de Miranda, de 1882, assinado pelo Presidente Joaquim Fernandes Falcão, que diz: “A Câmara fixou o dia 2 de Janeiro, próximo futuro para se começar o recenseamento das creanças em edade escolar tanto dum como doutro sexo, residentes nesta freguezia.” É o primeiro sinal de o Estado se interessar pelo ensino.

O primeiro professor oficial foi José António Basílio (Mestre Velho) que era irmão da minha avó materna. A escola dele era aquela casa cuja loja o sr. Franklim utiliza para recolher o seu automóvel.

Nesse tempo só os rapazes frequentavam a escola. Diziam que era perigoso as raparigas aprenderem por causa das cartas de amor. E, no entretanto, Nossa Senhora de Fátima mandou aos videntes que aprendessem a ler.

Foram alunos dele Francisco Pereira de Carvalho (o meu pai) David Carvalho, José Lopes Simões, Joaquim e José de Bento Sequeira, etc.

É curioso que a Bíblia da Infância era a selecta usada e uma das coisas que aprendiam, era ajudar à Missa. Bons tempos!

Tenho ali arquivado um ofício do Professor José António Basílio a reclamar que a Junta de Freguesia lhe forneça o mobiliário para o bom funcionamento da escola: mesas, bancos, livros, cadernos, quadros e ardósias. Não se fala ainda em carteiras. Vê-se bem que estavam no início duma nova época. As coisas foram progredindo e hoje reclama-se já a condução e até alguma refeição. Foi só um ou dois anos antes da proclamação da República que as meninas da freguesia começaram a frequentar a escola. Para elas havia uma ou duas professoras e para os rapazes um professor.

A primeira professora que tivemos, foi a Dona Lucinda Rosa Quintas, meia irmã do Dr. Francisco Rosa Falcão. Morava na parte daquele grande prédio que está a servir de posto médico. A escola das meninas era na actual sala de visitas do sr. Miguel da Paz que pertence ao dito prédio.

Talvez alguns ignorem que essa casa foi mandada construir pelo Padre Matias Rodrigues Miranda que foi pároco de Lamas, donde era natural, desde 1846 a 1877.

A segunda professora que ajudava a Dona Lucinda, foi a Dona Estela. Era filha duma irmã da esposa do Sr. Professor Joaquim Gomes. Os que têm à roda de 80 anos, lembram-se de ela morar na casa que é hoje ocupada pela Senhora Idalina. Ali morreu tuberculosa, constando que o Dr. Aurélio de Almeida, de Miranda, casou com ela, apesar de moribunda. O professor dos rapazes, a seguir ao tio Mestre Velho, foi o citado sr. Joaquim Gomes do Rosário que residia em Chão de Lamas.

A escola onde deu aula, durante muitos anos, era a casa do sr. Augusto Esteves Domingues. Foi só no ano de 1920-21 que as meninas da 4ª classe começaram a assistir à aula juntamente com os rapazes da mesma classe. Antes dessa altura, não havia misturas.

Julgo não estar em erro, dizendo que foi no tempo de Sidónio Pais que se começou a pensar a sério no edifício escolar de Lamas de modo que já não fossem precisas casas de renda. Houve um Ministro da Instrução, de apelido não sei se Magalhães, se Guimarães, que o sr. Dr. Rosa conseguiu que passasse por Lamas e prometeu o interesse do Governo pela construção do referido edifício escolar.

Logo se começou a traba­lhar para ajudar a futura construção. Organizaram-se então notáveis récitas. Com o seu produto comprou-se o terreno para o edifício pro­jectado e deu-se início a uma biblioteca escolar.

Havia dois mocitos de Urzelhe; hoje já com perto de 80 anos, que deviam recitar muito bem. Com efeito, a D. Lucinda Quintas que, com a sua cara de solteirona autoritária, nunca se via rir, recebia-os nos braços e cobria-os de beijos quando desciam do palco. Na verdade, o triunfo deles era triunfo dela também.

Lembram certamente o que se escreveu no número antecedente do Mirante, isto é, que em 1909 houve 40 baptizados. A média dos nascimentos foi assim numerosa por aqueles tempos de modo que a população escolar não cabia nas salas de Lamas. Abriu-se pois nova escola em Pousafoles; funcionou em casa alugada no sítio chamado o Canto.

A D. Maria Emília de Almeida que vive, reformada, em Miranda do Corvo, ainda ensinou nessa casa e teve a sorte de inaugurar o actual edifício público à Carreira. Trabalharam muito para isso o sr. Aníbal Gonçalves e o falecido sr. Manuel Pedro. Os que cederam o terreno, os pais do sr. Joaquim Patrício, é que nunca receberam qualquer indemnização, sendo pois quem mais se sacrificou.

Depois surgiu a escola dos Casais de S. Clemente, numa casa alugada no Lombo quando o sr. José Fernandes da Fonseca foi viver para a Azenha, em 1975. Já depois do 25 de Abril, em 1982, inaugurou-se um edifício próprio, levantado naquelas lapas por onde seguia o antigo caminho da Boiça para as Cerdeiras.

Está, pois, a freguesia razoavelmente servida com seis cátedras de professores, duas em cada escola. Isto só diz respeito à Instrução Primária. Para os estudos superiores, vai e vem, todos os dias, uma camioneta, cheia, para Miranda, sem falar nos que vão ao Liceu ou Universidade.

“Mirante”, Ano 8º, nº 86, 1 maio 1985, f. 1, 3