Arnau — um apelido estranho
A freguesia do Divino Espírito Santo de Lamas começou a ter a sua escrituração independente da de Miranda em 1561. Os primeiro registos de Baptismo são assinados pelo Cura — Gaspar de Guimarães. Em 1571 aparece um novo Cura chamado António Arnao. Apesar de a escrita, feita decerto com uma pena de pato, ser de difícil leitura, acabei por concluir que se trata mesmo do apelido Arnao. Foi o Dicionário da História da Igreja em Portugal, no 10.° fascículo, que me vem informar como veio para Portugal esta palavra. Com efeito lá vem que, com Dona Filipa de Lencastre, como seu mordomo-mór, chegou a Portugal um cavaleiro que deixou a sua pátria para se fazer português. Chamava-se Guilherme Arnao e tendo seguido o partido do Infante Dom Pedro, morreu com ele em Alfarrobeira. Sabe-se que deste inglês, Guilherme Arnao, ficou um filho, chamado Bernardo Arnao que se fez religioso dominicano, impressionado com a morte trágica de seu pai. Consta ter morrido com 115 anos com fama de Santo, em 1502, sendo os seus restos mortais transladados para o Convento de Benfica em 1516, acompanhado de grandes prodígios. Seria descendente do mesmo cavaleiro inglês um Tomás Arnao, de Miranda do Corvo que entrou na Companhia de Jesus em 1654? Enviado para os Açores, ali se notabilizou pelo seu infatigável zelo apostólico durante 40 anos. Foi chamado “o apóstolo das ilhas” pelos cuidados com que acudiu aos sinistrados da erupção vulcânica do Capelo na ilha da Faial. O que não oferece dúvidas é que o Cura de Lamas António Arnao pertencia à mesma família deste Tomás Arnao. Espero poder falar mais vezes dum livro manuscrito, contendo relatórios secretos de várias freguesias vizinhas para o Bispo Dom Miguel da Anunciação. Estes relatórios não foram entregues por o Bispo ter sido encerrado no forte de São Julião da Barra no tempo do Marquês de Pombal. Embora não tragam data nem assinatura, não há dúvida de que foram feitos por um padre de Penela, pelo ano de 1750. Ora, falando esse manuscrito da freguesia de Miranda do Corvo, escreve: “No lugar de Vila Nova vive uma viúva sem descendência chamada Dona Rosa Maria Pimentel Arnao, filha de Ignácio Arnao, já defunto, que viveu no mesmo lugar e era fidalgo da Casa Real”. Esta notícia mostra que o apelido Arnao ainda existia nos nossos sítios em meados do século XVIII. Em todo o ano de 1890 esteve pároco em Lamas o P.e Francisco Pedro Arnaut. Este “Arnaut” não será uma leitura afrancesada do velho Arnao, vindo de Inglaterra? O amigo Dr. Salvador Arnaut, tão citado como investigador das antiguidades portuguesas, é que deve ter elementos para responder a esta dúvida. “Mirante”, Ano IV, nº 37, 1 abr. 1981, f 4 |
Lamas (Apelido Arnao)
Lia-se há dias num antigo semanário de Coimbra que em Cortes, freguesia de Àlvares, ainda existe uma família com o apelido Arnaut. Há nomes que ficam só nos livros e desaparecem do uso. Este nome, porém, prendeu-se a sério a várias famílias e ainda hoje aparece com certa frequência em Miranda, Penela e arredares. Mas será Arnaut ou Arnao que se deve escrever? Julguei sempre que fora. por ocasião das invasões francesas (1807-1811) que, em vez de Arnao, começaram a escrever Arnaut. Enganei-me. Num manuscrito a que já me referi e que é do tempo do Marquês de Pombal (aí de 1750) fala-se duma fidalga chamada Arnaut, vivendo na actual freguesia de Vila Nova, de Miranda. Uma vez pedi aqui ao Dr. Salvador Arnaut que comecei a admirar quando nos desvendou muitos segredos de Penela e arredores, anteriores a D. Afonso Henríques, que nos explicasse esta mudança do nome. Jamais me convenci que estas humildes crónicas chegassem ao seu conhecimento... E um dia recebo dele uma longa e amável carta em que aborda o assunto. Contava que, quando era jovem ao apresentar-se a um fidalgo de sangue, perto do Porto, falara no seu brasão de família (deve ser o que se vê naquela antiga casa onde a filarmónica de Miranda faz os seus ensaios) e no seu nome Arnaut. O fidalgo emendou imediatamente que era Arnao ou Arnau e, de forma alguma Arnaut. O Dr. Salvador sorriu e continuou a assinar-se Arnaut. Em minha resposta, limitei-me a afirmar que sou da opinião do velho fidalgo e fiquei contente em verificar que não sou apenas eu a pensar daquele modo. — Procurando saber a data da fundação da freguesia do Divino Espírito Santo de Lamas, pensei contente como quem descobriu a solução dum problema: No princípio não faziam registos de Baptismos, Casamentos e Óbitos. Muito naturalmente, visto que Miranda é muito mais importante, começaram a lavrar-se lá os assentos bastante mais cedo. Portanto, na altura em que os registos começaram a não ser feitos nos livros de Miranda, mas nos de Lamas, e que começa a freguesia independente. Foi uma desilusão! Ao requisitar no Arquivo da Universidade de Coimbra o primeiro Livro dos Assentos de Miranda verifico: Este tem o seu início cm 1571 ao passo quee o de Lamas é de 156Í. Não encontramos decretos da Igreja ou do Estado a proclamar a freguesia de Lamas um Curato sob a dependência do Prior de Miranda, mas devem-nos ter consultado outros para atestarem os limites do seu território, o titular da sua igreja, a categoria do seu Pároco e até a importância do que este há-de receber para a sua côngrua (conveniente) sustentação. A freguesia foi fundada, sem sombra de dúvida, no tempo de D. João I, próximo do ano de 1400. Com efeito, não foi fácil a subida ao trono deste D. João. Não fosse Nuno Álvares, João das Regras e outros, nunca lá ia. Ora, quando D. João I se viu livre dos seus adversários, chegou a tempo de fazer as contas. Não foi só Nun'Álvares que se tornou o maior proprietário de Portugal, a seguir ao Rei... Muitos outros souberam o que era ser do partido dos espanhóis. Um deles foi o fidalgo que chefiava o Castelo de Miranda do Corvo. Com efeito, ao passar por Miranda um batalhão de soldados espanhóis, enviados pela Rainha de Espanha, única filha legítima do falecido D. Fernando, estes foram -recebidos como amigos. É agora que vai aparecer o nome de Arnao nos nossos sítios. Este Arnao —lê-se no Dicionário da História da Igreja em Portugal — era um «cavaleiro inglês (Guilherme Arnao) que acompanhou D. Filipa de Lencastre a Portugal, como mordomo-mor». Foi ele que tomou a chefia de Miranda, vindo a falecer na batalha de Alfarrobeira. O antigo Senhor de Miranda perdeu o seu lugar e foi exilado para o meio das urzes, mais propriamente, para Urzelhe, de que fez a terra mais linda do mundo (para mim que lá nasci...). Houve tempos em que Urzelhe foi maior que Lamas ou Pousafoles. Quem ficava nesta época, sem missa aos domingos e sem a desobriga pascal? O fidalgo não podia ir a Miranda e, por isso fundou-se uma freguesia com o centro em Lamas. No manuscrito de 1750, várias vezes citado, a igreja paroquial de Lamas não passava duma Capelita com um telheiro. Só nos fins de 1700 e aos poucos, em todo o século de 1860, se fez dela aquele alto edifício que vemos. Mas voltemos aos Arnao ou Arnau. A morte em Alfarrobeira de Guilherme Arnao impressionou tanto um dos seus filhos, Bernardo Arnao que resolveu fazer-se frade dominicano, morrendo com 115 anos em 3-5-1502, e sendo sepultado na parede, em frente do altar de Jesus do Convento de Benfica. O seu historiador Frei Luís de Sousa, dá-lhe a categoria de Beato. Vê-se, pois, que se tratava de família muito cristã. Como se disse, os registos da freguesia de Lamas, começaram em 1561. È curioso verificar que o pároco, não tendo ainda livro, começou os assentes numas folhas soltas. De 1561 a 1571 todos os registos são assinados por Gaspar de Guimarães. Logo a seguir, até 1574, o Pároco é António Arnao. Conclui-se que os Arnao não acabaram em Alfarrobeira nem com o Santo que foi sepultado, em Benfica em 1502. O citado Dicionário (queira Deus que continuem a sua publicação) narra que em 1654 entrou na Companhia de Jesus Tomás Arnao que era de Miranda do Corvo. Foi chamado o «Apóstolo das Ilhas» .por «se ter notabilizado nos cuidados com que acudiu às vítimas da erupção vulcânica do Capelo na ilha do Faial». Acabaram agora os homens da Igreja com o nome de Arnau? Longe disso. Ê semente fecunda. Passados mais de 200 anos, em 1890, os assentos da freguesia de Lamas são assinados pelo Padre Francisco Pedro Arnaut (é só um t a mais) que ainda conheci Pároco de Santa Eufemia de Penela nos meus primeiros anos de seminarista. “Mirante”, Ano 9º, nº 107, 1 fev.1987, f. 5 |