Ser cura de uma paróquia, com oitenta anos, não é muito vulgar, mas o Padre Luciano continua a desempenhar essa missão na freguesia de Lamas com a mesma simplicidade e disponibilidade de sempre. E muitas vezes ainda é solicitado para prestar serviços re­ligiosos nas paróquias vizinhas

Nascido em Urzelhe (freguesia de Lamas), no dia 23 de Fevereiro de 1909 e ordenou-se padre em 2 de Agosto de 1931, com 22 anos.

Começou a exercer o seu "múnus" sacerdotal em Ílhavo, como coadju­tor, donde foi transferido em 12 de Dezembro de 1933 para Gesteira, concelho de Soure, paroquiando também Brunhós e, durante um ano, ainda Vila Nova de Anços. Nesta região se manteve cerca de seis anos e meio.

Daí fui "degradado" para o concelho da Pampilhosa da Serra, onde estive 15 anos: dois nas freguesias de Amoreira e Machio e treze no Cabril e Vidual.

Considera o tempo que passou neste concelho "uma despromo­ção". Foi uma humilhação que o desesperou bastante e, vagamente, alude a injustiças e a intrigas.

Cumprido o "castigo" foi nomeado para a Mata Mourisca, considerada a melhor freguesia da diocese, mas só lá esteve 4 anos, pois foi transferido para Vila Seca e Bendafé e, em 1965, passou a acu­mular a de Lamas.

Actualmente apenas se ocupa desta última. Foi aqui que come­morou as suas Bodas de Ouro sacer­dotais em Agosto de 1981. O povo de Urzelhe prestou-lhe uma home­nagem dando seu nome à principal rua daquele lugar.

E recorda as suas viagens em peregrinação "para afervorar a fé" a Santiago de Compostela, em 1939, depois a Roma com uma audiência do Papa Pio XII e mais tarde à Terra Santa.

Também já foi ao Brasil, por duas vezes, de visita a parentes.

Pergunto-lhe o que é ser Padre?

Ri-se antes de responder.

Ri-se antes de responder.

É uma coisa sublime mas tam­bém tem muitas responsabilidades e humilhações. Afinal o que Nosso Senhor prometeu na nona bem-aventurança: "Bem-aventurados sois quando disserem todo o mal contra vós, vos perseguirem, vos ca­luniarem, porque é grande o vosso nome nos céus!"

— Como acha que as pessoas encaram hoje a religião?

Eu tenho receio que estejamos naquele tempo que Nosso Senhor profetizava: "Pensais que quando eu voltar encontrarei Fé no mundo?"

Realmente é uma diferença muito grande e as pessoas arrefeceram na Fé, sobretudo os jovens. O próprio Santo Padre está sempre a insistir na necessidade de reevangelizar a Europa.

A que se deve este afas­tamento?...

—Em jeito de autocrítica diz-nos:

 Talvez pelas falhas dos próprios padres que nem sempre são modelos de santidade. Mas a vida

moderna demasiada materialista e absorvente não permite a reflexão de antigamente. Por outro lado as solicitações aparecem por todo o lado e as "malhas" da religião são muito apertadas. Alguns pre­tendiam que ela fosse mais permis­siva.

— O que é para si a religião?

— A identidade com Cristo! S. Paulo fala no Corpo Místico de Cristo de que somos membros. Mas é tudo uma questão de Fé.

Abordámos muitas questões, como o celibato (que defende, por necessidade de dedicação exclusiva à causa religiosa), os rituais que muitos vivem com aparato, mas dos quais não se apreende a verdadeira essência...

E conta-nos um episódio da sua longa vida pastoral passado na Pampilhosa da Serra a respeito de um casamento.

Havia uma forte emigração dos rapazes daquela zona para Lisboa. Por esse motivo as raparigas lu­tavam com falta de pretendentes. E quando apareciam eram bem dispu­tados...

Por outro lado os pais das rapari­gas tentavam impedir muitas vezes esses casamentos que facilitavam um maior êxodo e consequente­mente uma diminuição de braços para trabalhar as courelas...

Contrariando essa opressão dos pais, as raparigas muitas vezes aban­donavam os lares paternos fugindo com os namorados...

E era o que estava para acontecer com uma desesperada moça que um dia confidenciou ao P. Luciano os seus propósitos de fugir com o seu namorado que estava em Lisboa, contrariando assim as suas convicções religiosas.

O Padre dispôs-se a ajudá-la. Tra­tariam dos papéis o mais secret­amente possível e o casamento religioso far-se-ia na outra freguesia de que era pároco.

Com toda a cautela tratou dos papéis, mas havia um problema: o pai da rapariga era o presidente da Junta e era preciso um atestado. A questão foi torneada pelo secretário pois o presidente, como pai, não podia assinar e assim não chegou a saber, naquele momento.

Compareceu o noivo no dia aprazado para o casamento que se celebrou na freguesia do Cabril.

Acha que hoje estariam com todos esses "pruridos"?

Pois não! — diz-nos o P. Lu­ciano, na sua voz arrastada, reco­nhecendo ter cometido um disparate
e ter sido uma imprudência da sua parte que lhe trouxe alguns dissa­bores.

O pai da rapariga nunca perdoou ao P.Luciano esse vexame e mesmo já depois de estar em Mata Mourisca tantas queixas e intrigas fez ao bispo que este o "castigou" fazendo-o sair daquela freguesia...

Aos oitenta anos o P. Luciano parece um pouco cansado e deixa transparecer um certo desânimo.

Apesar de estar na freguesia da sua terra natal não esconde a mágoa por não ver à sua volta um pouco mais de carinho e de conforto que correspon­desse à sua dedicação. A maior parte das vezes tem de deslocar a pé para fazer os serviços religiosos e para quem sofre de úlceras varicosas...só mesmo de um cura à medida do P. Luciano!

Mas isso não impede que nos convívios em que toma parte espalhe toda a sua bondade e simpatia.

Mirante sente-se honrado de o ter como um dos mais dedicados co­laboradores e faz votos de o ver retomar a pena para continuar a mostrar a sua vasta cultura e erudição.

E no dia 23 lá estaremos para lhe cantar os "parabéns a você", Sr.Padre Luciano!

 

(“Mirante”, nº 131, Ano XI, 1 de Fevereiro de 1989, f.8)