Notas a dois artigos do MIRANTE

[O tesouro de Chão de Lamas]

 

Gostaria de ter sido eu o autor do belo artigo sobre a invenção do “asado”, há tempos publicado no Mirante.

Talvez alguns pensem que é fruto da imaginação do autor aquele nome — Ataíde.

Trata-se dum fidalgo da estirpe do Távoras, tão perseguidos pelo Marquês de Pombal.

Veio de Abiúl, casou em Chão de Lamas e cedeu os seus direitos ao Morgado da mesma terra quando, em 1811, os franceses lhe queimaram o solar conforme nos informa Belisário Pimenta. O seu nome completo é: Sebastião Alves Nunes de Sousa Andrade e Ataíde.

A segunda nota é sobre o tesouro de Chão de Lamas».

Trata-se de um tesouro, encontrado nos nossos sítios e secretamente vendido a um ourives de Coimbra. Esse segredo provém de que, no nosso Código Civil, há uma lei que regula a descoberta de tais tesou­ros. O ourives é que devia saber que cometia um crime, deixando escapar para Espanha uma coisa assim tão valiosa. ”Vamos, porém, aos factos:

Perguntava a mim mesmo a razão porque ao Montoiro que está num sítio quase plano, chamam Monte de oiro...

Um dia, porém, avançando um pouco além da pas­sagem de nível, surpreendo-me ao divisar, à direita, o monte fronteiro que termina na confluência do Dueça e ribeira de Fervenças, iluminado pelo sol. Pare­cia não a proa dum paquete monstro mas um monte de oiro. Disse comigo: Ali está o padrinho do Montoiro.

Falo destes pensamentos a uns amigos do Fraldeu e estes condensam-me num ditado, repleto de plebeís­mos, o que consta há anos do tesouro que deve ser o de Chão de Lamas. Diz o prolóquio: “Entre o fernandinho e o femandão, há um grande minarão”.

Perguntei às pessoas mais antigas e instruídas de Chão de Lamas se, alguma vez, lhes constou que se tivesse lá encontrado qualquer tesouro. A resposta negativa confirmou-me na convicção de o tesouro não ser de Chão de Lamas.

Certo dia, andava o tio Joaquim Ferreira de Pousafoles com homens a roçar mato no sítio conhecido por Vale Cambos. Quando o bater de uma enxada provocou um som estranho, Joaquim Ferreira senten­cia: O que está na minha propriedade, é a mim que pertence. Vamos roçar para este lado.

Não se falou mais no assunto e, naquela noite, o proprietário foi explorar, sem testemunha, o que lá estava escondido.

Secretamente foi vendendo em Coimbra, na mesma ourivesaria, ora uma peça, ora outra.

Ao mesmo tempo, ia comprando todas as proprie­dades que podia à roda da bica do frade.

Um dia, o falecido António Lourenço de Pousafoles (1858-1935) foi à dita ourivesaria tratar de qual­quer assunto. O dono tem esta conversa com o “Zurra” (era esta a sua alcunha):

Vem aqui um homem dos seus sítios que só me diz que é do Concelho de Miranda do Corvo. Tem levado daqui tanto dinheiro que certamente já comprou todo o Concelho.

— Todo o Concelho, não — responde o “Zurra” — mas toda a gente se admira de um homem que nunca saiu da sua terra, ter arranjado assim dinheiro para fazer tantas compras.

Quando num ano destes li na revista Conimbriga e agora no Mirante a descrição deste tesouro, lembrou-me que, se alguma vez pudesse, havia de propor que ao tal tesouro não chamassem de Chão de Lamas mas do Montoiro, do Fraldeu ou de Pousafoles.

“Mirante”, Ano 3º, nº 29, 1 abr.1980, f. 1, 2