Lamas

(seus rios e afluentes)

 

Os vinte e oito quilómetros quadrados da freguesia de Lamas não têm só as inúmeras fontes que se descreveram anteriormente. Não merecemos, como o Éden, ter quatro rios, mas temos dois. O Dueça não é nosso embora passe nalguns sítios, dentro dos nossos limites. Dá umas curvas para ir receber as águas dos nossos ribeiros.

1° — A ribeira de Fervenças nasce na Lameira, próximo de Chão de Lamas. Desce à Albergaria, hoje em ruínas, do tio António da Lapa, seguindo ao centro da povoação onde atravessa a estrada e passa por baixo de algumas casas em direcção ao antigo açude, perto de Pousafoles.

Dá vida aos férteis terrenos que banha. Em Fervenças já leva uma quantidade de água razoável, capaz de mover um moinho.

Quando, em Março de 1811, as tropas francesas retiravam, a ribeira levava uma grande cheia. Duas moças da casa fidalga de Fervenças, ao verem-se perseguidas pela soldadesca desenfreada não tiveram outro recurso que atirar-se à torrente. Tiveram sorte e, mais abaixo, no meio duns arbustos, viram os seus perseguidores a procurá-las no leito da ribeira com as baionetas no extremo dos canos das espingardas.

Os numerosos vales que, de um e outro lado, lançam a água na ribeira, são os seus afluentes. Vou tentar dizer o nome deles todos: Vale da Loureira, Vale Tinhoso, Valada, Valinhos, Vale Crespos, Vale Caneiro, Vale da Malhada, Vale de Urso, Vale Vão, Vale da Palheira, Vale do Ouriço, Vale da Casa, Vale da Mina, Vale da Estercada, Vale da Silveira, Vale de Lamas, Vale da Pedra. Se tentássemos explicar a razão destes nomes, nunca mais chegávamos ao fim.

A ribeira de Fervenças desagua no Dueça quase em frente da foz do Alheda.

2.° — A ribeira de Urzelhe tem a sua origem no sítio chamado a Ponte Pereiro. A sua nascente não é majestosa como a do Dueça ou mesmo do Anços. Porém, logo em Água do Forno de Cima, recebe as águas vindas dos Covões, Fonte Freixo e Cantinho. Houve, pelo menos, três moinhos neste primeiro afluente, sinal de que o seu caudal não é assim tão pobre.

E logo, aos Carvalhos, aparece mais um afluente que começa no Vale da Grande e Vale de Ouro, passando ao fundo dos despenhadeiros do Lombo e da vertente Norte de São Clemente. E começa a ladainha dos Vales, pare­cido com a da ribeira de Fer­venças.

O primeiro é o Vale da Pedrinha que recebe as águas do Vale Crucifício e Vale da Fonte Velha. Encontram-se à Fonte da Moira, situada ao fundo da Mata da Sé e daquele valeiro que teve ao cimo o lagar velho.

Esta palavra — Pedrinha— traz-me à memória a Eira Pedrinha (Condeixa), tão citada nos livros de Arqueologia. E que, na sua parte norte; é a Eira Velha de que a lenda tantas coisas conta e onde, ainda hoje, aparecem pedaços de tégula, tijolos, pesos de tear. Lembro-me de ter colado a um pedaço de tégula um papel com estes dizeres: “Este resto de tégula tem mais de mil anos. Podem acreditar; é verdade”.

Logo a seguir, vem o Vale da Louçana. Aqueles canteiros de feijão verde, castanheiros e oliveiras... Tudo o vento levou. Quanto se ligava à agricultura!

Quase ao lado oposto, ali ao pé da Boiça, vem dar o Vale da Lapa, aliado ao Vale Sabroso (este nome virá de saibro que ali abunda ou das saborosas frutas e uvas que lá se criavam?).

Perto do açude do Paço desemboca o Vale da Gata. Quantos sonhos belos me inspiraram aquelas rochas ciclópicas!

Agora é a vez do Vale das Andarias. Ao cimo dele viveram duas famílias. Se o benévolo leitor tiver paciência, ainda lhe hei-de contar o que se deu com Ana Bicha que morava no Vale das Andarias em 1752.

Neste vale havia duas “presas” em que se armazenava a água para regar a ramalhadas, o praso, o jogo e até o loureiro em dias e horas determinadas por lei ou por “adúa”, como se dizia no século XVI e ainda se diz no Concelho da Pampilhosa da Serra.

A foz deste extenso vale é ao lado da Capela de Urzelhe.

É ainda neste lugar, ao açude, que vêm ter as águas do Vale Macho e do Vale do Milho.

Segue-se o Vale dos Gorbos. Bem se vê, desta expressão, aos anos que tem este nome. É bem claro que, no princípio, lhe chamavam Vale dos Corvos; mas a evolução da linguagem fez com que se diga agora “dos Gorvos”.

Do lado oposto, aparece o Vale do Grou, que corre desde a Lapa Mijoa. Ali próximo, é a quelha do Carapinhal. Alguém será capaz de responder a esta pergunta que a mim mesmo faço desde criança: Porque se chamará assim, não estando relacionada com o Carapinhal de Miranda nem com a freguesia de Carapinha de Arganil?

Hoje dizemos que a nova estrada desce pela Marmeleira. Contudo, num caderno antigo, oferecido pelo Dr. Falcão Ribeiro à biblioteca da Lousã, ao descrever os bens do Convento de Santa Clara, nas redondezas de Urzelhe, diz-se Vale da Marmeleira. Vem, a seguir, o Vale Cabrito e o Vale da Horta. Finalmente, na margem esquerda da ribeira de Urzelhe, despejam as suas águas o Vale de Eira e, a seguir, a Barroca Grande com os Vales Braçal, Castelão e Salgueira.

E basta de geografia, ou melhor, hidrografia.

“Mirante”, Ano 8º, nº 84, 1 mar.1985, f. 1, 3