Lamas

(O Morgado)

 

Devo notar previamente que estou como Cristo no pretório, em frente de Pilatos: «Nenhum poder terias sobre mim se do Alto te não fosse dado» (S. João, XIX, II).

«Todo o poder vem de Deus». Só é de estranhar que os baptizados escolham, para seus chefes, os adversários da sua fé.

Sebastião Alves Nunes de Sousa Andrade e Ataíde é o nome que primeiro se conhece como Morgado de Chão de Lamas.

Este sobrenome «Ataide» faz-me lembrar os Távoras de quem os Ataídes deviam ser parentes próximos visto haverem sofrido com eles, as maiores humilhações, na segunda metade do século XVIII, com as justiças de Sebastião José de Carvalho e Melo.

Mas o registo de Baptismo do Marquez de Pombal sugeriu-me a suspeita de que, em tudo aquilo, haja ódios de família. Com efeito, nesse registo, vê-se que o pai do Marquez tinha o nome de Manuel de Carvalho e de Ataíde».

Reforça esta suspeita o facto de o solar dos Ataídes ser em Abiúl, ao passo que os muitos haveres do Marquez são nas proximidades de Soure e Pombal, não muito longe de Abiúl.

Tudo isto me levou à convicção de um ramo dos Ataídes ter vindo para estas regiões, pouco conhecidas, então fora das vistas do omnipotente Marquez.

Foi, nessa altura, fundado o solar de Chão de Lamas com a sua Capelinha, como não podia deixar de ser, presidida pela be­líssima imagem da Senhora do Socorro.

É este palácio que ostenta o único brasão que resta na freguesia. Tinha muitas e férteis propriedades agrícolas, à roda. Exploraram a água. lá em cima, na Lameira, canalizando-a, em manilhas de barro, para o pátio do palácio onde corria com abundância.

Pertenciam-lhe também as quintas da Selada e da Azenha.

 

As ideias dos Enciclopedistas começaram a influir nos portugueses principalmente com o Embaixador Dom Luís da Cunha (não confundir com o Cardeal da Cunha que foi um dos membros do Conselho da Regência que ficou a governar Portugal com a saída da família real para o Brasil). Foi ele que levou Dom José a chamar para primeiro ministro Sebastião José de Carvalho e Melo.

O governo do ministro de Dom José foi um governo de esquerda ou liberal, como hoje se diz. Diz Caetano Beirão que a «maçonaria triunfante o arvorou como seu orago e precursor do liberalismo».

Porquê esta exaltação do Marquez se foi um ditador parecido com Stalin ou Hitler? Falam contra a Inquisição e certa intolerância... Mas Sebastião José de Carvalho nomeou um irmão Inquisidor-Mór e serviu-se daquele tribunal para, à sua sombra, praticar as «mais cruéis arbitrariedades. Basta lembrar a prisão do santo Bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, que vem a morrer no nosso Concelho, em Semide. Só por ser «Távora» (era um dos seus apelidos) esteve «no forte de S. Julião da Barra, durante dez anos, sem poder mudar de roupa.

Conseguiu, com as suas habilidades e crueldades, expulsar os Jesuítas, chegando ao cúmulo de riscar do calendário os seus grandes Santos: Ignácio de Loyola, Francisco Xavier e Francisco de Bórgia!

Para os glorificadores do Marquez, o mérito de ter expulsado os Jesuítas absolve-o de ter sido um cruel ditador.

É daí que me vem a convicção de que a tal esquerda é contra Deus e contra a Religião e não contra as ditaduras e opressão. De resto, todos sabem como eles resolvem as suas dificuldades, ao lembrar a morte de D. Carlos, de Sidónio Pais, a tragédia de 19 de Outubro e os tiros na nuca dos que dizem ser traidores...

Parecia que, com D. Maria e o Príncipe Regente, a Esquerda tinha recuado. Porém, com as invasões francesas acentuou-se entre nós a descrença. Lembram-se dos tais «degenerados» que foram oferecer os seus serviços a Junot? Importavam-se eles lá com a nossa independência... O que pretendiam, era o triunfo da tal Esquerda.

E chegaram o «vintismo» e as lutas entre Liberais e Absolutistas, entre D. Pedro IV e D. Miguel... Já são três as grandes obras que não consigo ler até ao fim por chamarem a D. Miguel «usurpador». Então não é D. Pedro IV que deixou de ser português, ele e os seus filhos, quando se proclamou Pedro I do Brasil, que é o usurpador?

Mas aqui tratava-se do triunfo da esquerda sobre a direita e nesse caso, já são permitidas todas as incoerências._

O Morgado de Chão de Lamas lutou, quanto lhe foi possível, contra o liberalismo. Conta Belisário Pimenta que, certo dia, os liberais, então na mó de cima, enviaram um oficial do Exército para o prender. Virou-se o santo contra a esmola e ele é que deu voz de prisão ao chefe.

Conta o mesmo investigador que Joaquim Vitorino da Silva que era Capião-mór de Miranda e Podentes, chegou a ser destituído do seu cargo por causa das suas ideias liberais. Porém, os adeptos de D. Miguel não eram assim tão maus... Reintegraram-no nos seus cargos e, após a Convenção de Évora-Monte, tornou-se o Sr. Barão de Miranda.

Entretanto, o solar do Morgado de Chão de Lamas, em 1811, fica reduzido a cinzas e ruínas. Dez anos depois, ainda se encontra assim. É o citado Belisário Pimenta que narra ter ido a Lisboa, ao arquivo particular do Sr. José de Paiva Manso Sarrea Carvalho e ter verificado que o dito Sebastião Alves Nunes, em 2 de Dezembro de 1821, fez uma doação dos seus bens e título a Sérvulo Maria de Paiva Manso.

Por esses «tempos, aparecem uns registos de Baptismo de filhos dum Paiva Manso cujos avós maternos são incógnitos. Será juízo temerário a suspeita de que a mãe do novo Morgado era filha de Sebastião Alves Nunes?

O caso é que se não falou mais nele e consta que regressou a Abiúl.

“Mirante”, Ano 9º, nº 98, 1 mai.1986, f. 1, 3