Lamas

(Emigração)

 

Uma recente viagem ao Brasil sugeriu-me o assunto deste e do artiguito futuro.

Há cerca de 25 anos, guiados pelos filhos do sr. António «do muro» (Lucas e Alfredo) os emigrantes deram em tornar o caminho da Holanda.

O resultado foi o que se vê — um conjunto de lindas mansões cm Lamas e Chão de Lamas, todas enfeitadas de ...florins.

Anteriormente os nossos emigrantes só conheciam o caminho do Brasil.

O primeiro emigrante de Lamas para o Brasil após a independência em 1822, foi, sem dúvida, o «Ìndia». Tendo ido. primeiro para Goa, parece ter regressado à Pátria apressadamente e ganhado aquela alcunha de índio eu índia.

Partiu, sem demora, para o Brasil (Pará) e de lá regressou no seu barco Bela Elisa para se finar em Lisboa.

A seguir, aparece-nos o Dr. Lucas Fernandes Falcão.

A «Enciclopédia Luso-Brasileira conta-nos que os pais, queriam que ele fosse padre. Fugindo à aspiração deles, seguiu para o Brasil (Baía) donde. regressou não com dinheiro mas com mais instrução. Pensou em voltar mas, após a conquista do direito de o seu retrato poder ser um dos da célebre sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, de se tornar um mestre com fama internacional, casou com uma fidalga da Casa de Palmeia. Como esperamos dizer um dia com mais pormenor, faleceu nas Caldas da Rainha em 1916, tendo sua esposa D. Adelaide Luísa Kennedy Falcão de Vasconcelos Lebre falecido na Mealhada em 1971.

A seguir a estes dois, foi o Brasil o destino que tomaram os emigrantes de Lamas.

Como é sabido, as famílias eram numerosas. Todos os anos, alguns «rapazes solteiros com aspirações, pediam dinheiro emprestado para a viagem, afiançados pelos pais. Os primeiros ganhos eram para pagar a viagem.

«Estou a ouvir um negro a dizer-me, há 30 anos, em Niterói: — Estes portugueses são terríveis. Aparecem-nos aqui com uma taleiga ao ombro e, daí a oito dias, já são nossos patrões.

Contam-se pelos dedos de uma das mãos os que não pagaram a viagem e se sumiram, afogados em cachaça.

Os outros voltavam, daí a dez anos, faziam uma casa, compravam uns terrenos e eis o brasileiro casado.

Nasce o primeiro filho e acaba-se o dinheiro. Lá vai até ao Brasil, segunda, terceira e até quarta vez para fazer a colheita da árvore das patacas, até criar os filhos.

Verifiquei que, em geral, os nossos brasileiros regressavam menos amigos da nossa Religião que ao partirem.

A princípio, pareceu-me dever concluir das conversas que lhes ouvia que se faziam maçónicos. Todavia, ao notar que, depois de regressarem, não frequentavam as lojas de cá e até cumpriam promessas aos Santos, acabei por concluir que nenhum, salvas honrosas excepções, tinha vagar para assistir à missa e ouvir a palavra de Deus. Contudo, arranjavam tempo para assistir a reuniões de espiritismo, chegando a fazer a tal «macumba». O espiritismo não lhes proibia as aventuras com negras da favela que descreviam no meio de gargalhadas maldosas.

Honra lhes seja dada, porém, por nem um único caso de negrito ou mulato ter vindo aumentar a população da freguesia.

Parece um brasileiro! Era o que se usava a dizer dum homem bem-posto e gastando sem olhar atrás.

Apesar disso, o ridículo também atingiu alguns patrícios nossos que andaram «pelas bandas de lá».

Perdoem que recorde três episódios.

a) Era um brasileiro elegantemente vestido e bonitão. Piscou o olho à filha dum diplomata sueco e ela deu-lhe sorte!

Daí por diante, era vê-lo à noite, em frente da janela da sua eleita. O gesto repetia-se teimosamente.

Mas, certa noite, vê aproximarem-se dois homens mal encarados. O coração fez-se-lhe pequeno e, de repente, os dois começam a urinar-lhe nas pernas!

Só então compreendeu que não era sapato para tão distinto pézinho e não voltou a olhar para aquela janela.

b) O outro caso deu-se na Capela de São Clemente.

O brasileiro chegara nas vésperas, da festa e pediu ao mordomo que lha deixasse fazer para cumprir uma promessa.

Na altura do sermão, lá estava o brasileiro com o seu colarinho alto, engomado, com vistosa gravata, armada com um enorme alfinete de ouro, em frente do «púlpito, com a vara de juiz na mão.

O P.e Joaquim de Monforte, numa tirada eloquente, finalizava o sermão, chamando herói ao Santo, repetidas vezes. O brasileiro estava indignado e interrompe o sermão com ar ameaçador:

— Ó Sr. P.e Joaquim, se torna ai a chamar Herodes ao Santo (e levantava a vara) salta daí abaixo e não se lhe paga!

— Pois, meus irmãos — respondeu o pregador — S. Clemente foi um valente! Rezemos três Avé-Marias.

c) O terceiro caso lembra o soneto de Camões «Sete anos de pastor» e sobretudo o verso: «Em vez de Raquel, lhe deu Lia».

O brasileiro também fora ao baile que, nesse tempo, se usava a dar no dia do primeiro «pregão». A noiva apregoada dançou várias vezes com o brasileiro.

No dia seguinte, já toda a gente sabia que a rapariga, de noite, saltara, pela janela, para os braços do rico brasileiro.

O noivo apregoado teve de casar com a outra irmã.

Nesses «tempos, não se davam ao luxo de levar as esposas para o Brasil e não se demoravam por lá muito tempo. Deve ter sido então que se inventou o ditado, algo realista:

Minha terra, minha terrinha,

M. p’ró Rei -mais p'rá Rainha.

Modernamente começaram a levar consigo as esposas. Os filhos lá nasceram e lá se fizeram adultos.

Alguns chegaram a postos altos no Exército Brasileiro, outros terminaram cursos «universitários e outros ainda conquistaram posições elevadas no comércio ou na indústria.

Hoje (ninguém emigra para o Brasil.

Toda a gente se enterneceu, no fim do verão passado, ao presenciar as lágrimas saudosas e abundantes duma brasileira que veio passar umas férias a Lamas. As portuguesas de hoje que fizeram do Brasil a sua terra, não sentem saudades da sua Lamas natal que (no artigo seguinte, se verá) brasileiros ilustres consideram como cidade.

“Mirante”, Ano 9º, nº 96, 1 mar.1986, f. 5

 

Lamas

( Emigração)

 

Apesar de o mestre Boileau ter deixado escrito que «Le moi c'est haissable» (o eu é odioso) ou seja, discursar ou escrever na primeira pessoa é desagradável a quem ouve ou lê, não resisto a contar um episódio da minha vida.

Há 30 anos, acabava de desembarcar do «Santa Maria» no Rio de Janeiro com a representação. portuguesa ao Congresso Eucarístico de 1955.

Levávamos uma imagem da Senhora de Fátima para oferecer aos brasileiros. Organizou-se um enorme cortejo que, desde a Praça Mauá, seguiu até à Candelária.

Padre novo, com a aninha voz de 1.° .tenor, era dos mais activos e entusiastas de modo que o «então Bispo de Lamego que fora meu professor, três anos seguidos, me chamou:

— Ó F., não cantes tão alto! Estava a atender o Dom João quando ouço uma voz de mulher conhecida:

— Ó P.e X!

— Ò Lídia!  Como o mundo é pequeno! Sem nada se combinar e, noutro continente, encontramos os!

Eu sabia que ela tinha casado com um primo direito, o Lucas Alves Esteves, meu condiscípulo na Instrução Primária, mas o que não esperava era encontrá-la ali.

Pois é dum filho deste casal, meu amigo de infância, que hoje vamos falar.

(Eu via este senhor a passar quase todos os anos, umas breves férias na sua terra natal. Sempre metia conversa comigo, a louvar os artiguitos que dão notícias da nossa terra, publicados no Mirante, que os nossos emigrantes lêem sofregamente (gaba-te cesto!) Mas o que ignorava, é que ele comanda um complexo industrial e comercial de tal ordem que, mensalmente, paga cerca de trezentos ordenados e diariamente tem, ao seu serviço, quarenta viaturas.

Contudo, não seja eu a falar, mas o livro brasileiro que me chegou às mãos e tem o nome de «Cidadão Carioca».

É uma colecção de biografias de homens notáveis — «Cidadãos honorários, agraciados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro». O Alfredo ocupa o segundo lugar e foi proposto pelo Deputado Aparício Marinho.

Peço vénia aos Editores de «Cidadão Carioca» para transcrever o que narram deste emigrante. «Nascido na cidade de Lamas-Miranda do Corvo, distrito de Coimbra, no dia 29 de Julho de 1934, Alfredo Alves Esteves é o segundo dos três filhos do casal Lucas Alves Esteves e Lídia Alves Esteves. Após os primeiros estudos em sua terra natal, contava na época 11 anos de idade, Alfredo Alves Esteves começava a trabalhar. Primeiro na indústria hoteleira de Coimbra cm Portugal, no período de 1945 a 1949. Em seguida, tendo-se transferido com sua família para a Venezuela ali prestou os seus serviços à firma L. Simonett Instalações Eléctricas de Caracas, de 1949 a 1952, onde se iniciou no ofício de electricista em Construção Civil.

Naquele mesmo ano, 1952, Alfredo Alves Esteves trocava a Venezuela pelo Brasil, se radicando definitivamente no Rio de Janeiro e, mais tarde, naturalizando-se brasileiro. Aqui nasceram os seus filhos, todos Cariocas. Jorge Luis Rita de Cássia, Maria Goretti, Maria do Rosário e, recentemente, o Alfredo Júnior, sendo que, com excepção deste último, todos eles estudantes, já estão na qualidade de estagiários, trabalhando nas empresas do grupo Esteves.

No campo. profissional, trabalhou inicialmente na firma Enarco mas, movido pela sua índole dinâmica, criava, em 10 de Julho de 1958, a sua própria firma «Alfredo A. Esteves» especializada no comércio de bicicletas, acessórios de automóveis, electricista e bombeiro. Observando nessa época as dificuldades dos síndicos dos edifícios para a conservação dos seus equipamentos hidráulicos, empolgou-se e acabou. por se especializar em hidráulica. Em 1969, mudou a razão social para «Eletro-Mecânica Esteves Ltda.», implantando primeiramente, no então Estado de Guanabar, o Sistema de Plantão Permanente, com atendimento nas 24 horas do dia. Criou também o Serviço de Conservação Mensal com Assistência, Técnica de bombas e equipamentos hidráulicos, sob contrato.

Em 1973, para atender o grande desenvolvimento, abriu a filial Botafogo, já então com o Departamento das Piscinas. Em 1975, já sob a denominação «Esteves-Equipamentos e Serviços Hidráulicos Ltda.» criava a filial Maracanã para atendimento aos clientes da zona norte e do centro da cidade. Em 1976, nascia a filial Niterói, levando para o outro lado da baía da Guanabara os serviços e o já consagrado símbolo da empresa a «Baleinha Esteves», criada por tua filha Rita de Cássia, quando contava apenas 5 anos de idade e que logo se tomou popular na vizinha cidade.

Em seguida., foi criada a filial Jacarepaguá, com uma grande e moderna loja onde se encontra tudo que se relaciona com piscinas: equipamentos filtrantes, acessórios, conjuntos, produtos químicos, bombas, motores, etc.

A Imel — Indústria Metalúrgica Esteves Ltda. da qual também é o Director Presidente, sendo a maior fábrica Nacional de ampolas (contatos de mercúrio), para uso em instalações eléctricas que exigem limite de tempo além de produzir outros produtos automáticos, todos de elevada qualidade técnica.

Mas não pára aí o seu espírito empreendedor, pelo que surge em 1977 a firma Estimel — Comércio e Representações Ltda. da qual também é o Director Presidente.

Essa terceira empresa de grupo surge em decorrência das actividades desenvolvidas pelas duas primeiras empresas, principalmente da segunda, visto seu âmbito no mercado nacional e previsões para o mercado externo.

Da pequena firma de 1958 as empresas do grupo Esteves empregam actualmente 150 funcionários com diversos técnicos e especialistas e uma estrutura que permite um nível de elevados e garantidos serviços aos seus clientes.

0 jovem profissional de há vinte anos passados vê hoje, ao longo desse tempo o seu denodo e esforço recompensados pelo prestígio que desfrutam as empresas Esteves.

O seu trabalho, a sua integridade e honestidade, contribuindo para o desenvolvimento da cidade, foi também reconhecido pela Assembleia Legislativa, concedendo-lhe o título de «Cidadão do Estado do Rio de Janeiro.

Desculpem uma transcrição tão longa. Fica, porém, demonstrado que, apesar da independência de 1822, o emigrante de Lamas, vivendo no Brasil, convence-se de que está na sua terra.

Nunca me há de esquecer o afecto, o tom de amizade que os noticiários de Rádio Globo, por exemplo, respiravam quando narravam os triunfos ou derrotas dos Clubes portugueses!

“Mirante”, Ano 9º, nº 97, 1 abr.1986, f. 1, 3