Lamas

(Crise de 1834)

 

Com o triunfo do Liberalismo, o Bispo de Coimbra. D. Frei Joaquim de Nossa Senhora da Nazaré, depois de muitas humilhações, conseguiu seguir para o Maranhão (Brasil) onde morreu em 1851. «Suspenderam-se os Párocos em quem se não tinha confiança, destituíram-se pura e simplesmente os que não eram considerados bons liberais». As relações com Roma estiveram cortadas ate 1842.

Aquela estátua de bronze que está entronizada na nossa cidade de Coimbra, à Portagem, comemora o decreto da dissolução das Ordens Religiosas de ambos os sexos, passando as suas casas e haveres para a posse do Estado.

Alguns dizem mal do 25 de Abril, mas este não foi um movimento que cortasse as relações com a Santa Sé nem que proibisse, por exemplo, as Carmelitas de Coimbra de viver, em comunidade, a sua vida religiosa.

A prestigiosa revista «Munda» (era o primitivo nome do rio Mondego) publicou há tempos uns relatos sobre o velho Convento de Celas. Falava dumas propriedades que aquela casa de freiras possuía na quinta de Lobazes e em Miranda.

Já  num  documento do tempo de Dom Afonso Henriques, descrevendo os limites do território de Podentes, pelo Nascente se diz que confronta com Miranda.

É que, nesse tempo, a freguesia de Lamas ainda não existia.

Vem isto a propósito duns três marcos que indicam o limite, perto do muro do Indio, entre a freguesia de Podentes e Lamas. Têm todos gravada a palavra “Celas” e demarcavam, sem dúvida propriedades, que aquelas religiosas possuíam nesta freguesia de Lamas.

Não sabemos o nome de nenhuma religiosa, oriunda daqui, que tenha deixado ao Convento de Celas o seu dote, constituído pelos ditos terrenos. Mas é certo que eram o dote duma ou mais raparigas que seguiram a vida religiosa naquele antiquíssimo convento.

Encontrei, no Arquivo da Universidade de Coimbra, um registo de Baptismo, que interessa ao nosso assunto Diz assim: “Em onze de Maio de seiscentos e cinquenta e seis baptizei Esperança ...de Urzelhe... e madrinha D. Joana de Mello, freira professa de Santa Clara. »

Este registo mostra-nos a origem das numerosas propriedades rurais que as freiras de Santa Clara de Coimbra possuíam em Urzelhe. Ainda se houve o eco de nomes de casas, propriedades agrícolas e até ditos e canções que atestam que essas respeitáveis senhoras eram como de família da população de Urzelhe e Azenha.

Contudo, nuns documentos manuscritos que foram parar à biblioteca municipal da Lousã, encontram-se datas muito anteriores à do registo de Baptismo, acima citado, como passo a descrever: «...referindo-se a outro Reconhecimento que do mesmo Prazo fizera Gaspar Coelho de Miranda em dezassete de Fevereiro de mil seicentos e vinte e quatro... Como constava a folhas trezentas trinta e seis do respectivo tombo então feito aonde Santa Clara fora pelo Reconhecimeto apresentado o respectivo titulo em pergaminho feito na Nota de João Toscano tabelião na dita cidade a doze de Maio de mil quinhentos e vinte e seis... »

Esta data atesta que muito antes da freira Dona Joana de Mello, supra referida, já o Convento de Santa Clara possuía bens em Urzelhe. Deviam ter sido o dote de algma tia dela.

Com uma penada, foi tudo água abaixo e mudaram de dono.

Na mesma coleção de documentos (muito grato ao genro do Sr. Adriano Rodrigues de Chão de Lamas que me os facultou) encontrei a notícia dum liberal de Pousafoles, verdadeiramente fanático que publicou «Uma proclamação de Euzébio F.º Fernandes Falcão contra seu cunhado J. F. Falcão em l885.

Euzébio F.º Fernandes Falcão, faz saber a todas as pessoas deste concelho e fora dele que não quiseram pagar violentamente pelo bem conhecido Joaquim Fernandes Falcão de Pousafoles pelas suas gentilezas usurárias, que trás por sinal libré encarnada, pedindo direitos ao seu belo prazer aos povos com ameaços de tigre dizendo que são direitos pertencentes às Freiras de Cellas e de  Santa Clara.

E para que chegue a notícia a todos que comigo quiserem contratar, o eu pelos livres de de todos estes direitos pedidas para nunca mais pagar com a condição de nada receber sem o negócio vencido; podem vir ter comigo, a minha casa de Pousafoles, passado o dia 30 do corrente Março de 1855 para tratarmos do ajuste.»

Deste Eusébio ouvia, desde criança, à família, do lado dos Ferreiras do Fraldeu, as referências mais desagradáveis possível. Vejo agora essas referências documentadas e até ampliadas.

Foi baptizado em Lamas em 5 de Abril de 1827, sendo testemunhas o P.e Dr. Caetano Ferreira, tio do meu avô materno, e o P.e Joaquim Simões Mateus de Alcouce.

Reparemos agora que as relações com a Santa Sé foram reatadas em 1842 e que a Convenção do Gramido que levou à reconciliação os liberais e miguelistas se realizou em 23 de Maio de 1847.

Ora, tendo o dito Eusébío nascido em 1827, em 1855 data do seu manifesto, tinha só 18 anos. Que triste figura a dele ao guerrear o cunhado Joaquim Fernandes Falcão só pelo seu zelo de que às velhas freiras de Santa Clara e Celas que ainda não tinham morrido, não faltasse o pão de cada dia!

E o assalto à casa do meu tio bisavô, padrinho do Baptismo dele, P.e Caetano Ferreira?

Conforme os documentos, mais duma vez citados, este meu tio teve de fugir para a Gateíra. Ali o foram prender com a ameaça de o encerrarem no forte de Almeida. Lá vem o depoimento de 25 testemunhas a provar a sua inocência das acusações que lhe faziam mesmo assim, teve de se acolher sob a protecção do fidalgo do Espinhal José Bernardo Salazar.

“Mirante”, Ano 9º, nº 99, 1 jun.1986, f. 1