Lamas

(Seus caminhos)

 

Os caminhos da freguesia têm a sua história também.

Na velha Conimbriga há a chamada porta de Tomar onde ia desembocar a primitiva estrada Coimbra-Tomar.

Não passava pela nossa freguesia.

Porém, desde que Emínio foi crismada com o nome de Coimbra, era preciso substituir aquela antiga via. Esta já atravessa a freguesia de Lamas.

Não vos aborreçais por eu insistir em vários nomes antigos. Devem conservar-se como verdadeiros monumentos.

Quem me dera conhecer a língua árabe para decifrar umas letras desse idioma gravadas na pedra que serve de pedestal à Cruz que encima a Capela das Vendas de Podentes... Digo isto para mostrar a antiguidade desta povoação.

A velha estrada real vinha de Penela e descia às Vendas e, seguindo para o Norte, era entroncada pelo ramal que vinha da velha vila de Podentes no Vale d'Ansas (das ânsias que sentiam os condenados à morte) que seguia até à Costa da Forca.

Perto do muro do Índia, entrava na freguesia de Lamas, à Cruz do Bispo, descia pela Quelha dos Negros até à ponte que atravessa a ribeira de Fervenças que passa pelo meio de Chão de Lamas. Continuando a sua marcha, atravessa a macdame, à vinha do Zé Chico, em direcção ao lagar velho, ao cimo do Vale da Pedrinha, descendo à Ponte Pereiro (perto há o Cabeço Pereiro e, já à vista de Coimbra, o Marco dos Pereiros). Aqui volta para Nascente até aos Carvalhos, recomeçando logo na direcção Norte, pelo Lombo acima.

De notar, contudo, que este é o caminho da diligência porque, da Ponte Pereiro, sai um atalho em direcção da Fonte Freixo, pela Ponte Coimbrã, que vai entroncar na estrada principal, pouco acima do Lombo. E lá continua ela até à portela onde está agora um moinho de vento, entrando aí no Concelho de Coimbra e descendo até ao Porto das Vendas...

Os correios foram. estabelecidos em Portugal por D. Manuel I em 1520 {Diário de Coimbra de 20-11-984). O serviço dos correios e do transporte de passageiros era feito em carros de cavalos (as diligências). As estradas eram, pois, calcetadas, como se vê no seu início perto do aeroporto de Lisboa. Também se verifica isso na ligação da estrada real com o lugar de Traveira, a partir do Covão das Donas. Nalgumas curvas, podem fotografar-se restos de antiga calçada.

O correio para Lamas e Miranda era recebido ou entregue na diligência, ali perto do Quelhão e guardado à entrada de Lamas no sítio ainda hoje chamado a Estação. Seguia depois para Miranda pela Cervajota, a meia encosta do Cabeço, indo ter ao cimo do túnel do Travasso até à ponte sobre o Dueça, detrás do Castelo.

É provável que a estrada real que se descreve, seja posterior à fundação da nacionalidade visto que D. Afonso Henriques quando foi à conquista de Santarém (é da História) veio por Taveiro, passando com as suas tropas a primeira noite no Castelo de Alfafar.

Surge, entretanto, a macdame. Não tardou que a estrada Coimbra-Tomar fosse substituída por uma de macdame, a passar pela freguesia de Lamas.

Quem atravessar a ponte da Portela ou dos cinco reis (o pagamento de portagens já é antigo), após a volta da ferradura, ao chegar às primeiras casas de Ceira, pode ler numa parede, à direita: Tomar 77. Lá adiante, em Penela, mais propriamente no sítio chamado, farol, lê-se num marco: Tomar 51. É a nova estrada Coimbra-Tomar.

Numa Acta da Junta de Freguesia de Lamas, assinada pelo presidente P.e Matias Rodrigues Miranda, pode ler-se: “Sessão do dia 22 de Junho de 1866... apresentou um ofício do Presidente da Câmara deste Concelho de Miranda do Corvo, com a data de vinte e seis dias de Janeiro do presente ano, em que exigia o cumprimento da Circular do Governo Civil deste Distrito de trinta de Novembro último, sobre via­ção; cuja circular sendo presente nesta sessão a esta Junta, à mesma vai a responder da maneira seguinte: os Caminhos Concelhios da freguesia do Espírito Santo de Lamas, pela estrada que vem de Coimbra e atravessa a freguesia de Almalaguês, Concelho de Coimbra, e passa pela freguesia de Vila Seca, concelho de Condeixa-a-Nova, entra nesta freguesia, no sítio das almas do moreno, atravessa o logar de Chão de Lamas e segue à Cruz do Bispo entrando na freguesia de Podentes, concelho de Penela...” Conclui-se que esta estrada é pelo menos de 1863.

Foi perto de 20 anos depois que surgiu, a atravessar a freguesia, a estrada que começa no apeadeiro da linha do Oeste — Carriço — e termina em Avô. Passa por Louriçal, Soure, Ega, Condeixa, Vila Seca onde entronca ao km 14 na citada via Coimbra-Tomar, deixando-a quando esta vira para Chão de Lamas. Depois de atravessar o lugar de Lamas, à Cervajota, se houvesse a técnica de hoje, abrir-se-ia um túnel rodoviário que a faria aparecer no Pontão, encurtando assim uns dois ou três quilómetros e evitando a grande obra de arte que é o Paredão.

A prova de que esta estrada tem mais de cem anos, está nesta nota do livro diário da Junta da freguesia de Lamas:

— Conta corrente da Junta da Paróquia de Lamas em 1883 — Dezembro 30 —Pelo que se recebeu da expropriação, do terreno no sítio do Roçaio para a estrada distrital N.° 58 —Guia N.° 2 — l$700.

Muito valia o dinheiro nesse tempo!

O progresso criou, a seguir, uma rede de estradas camarárias que permitem não haver povoação ou simples casa aonde não possa chegar automóvel. A primeira foi a que, partindo do Quelhão, atravessa Chão de Lamas e liga à antiga via Coimbra-Tomar. A 2.ª foi a que partia da Cruz do Bispo (quando se restaurará esse marco?) até Pousafoles. A 3.ª começou a abrir-se em 1952; parecia impraticável. Vai do cimo da Marmeleira às Cerdeiras até à Capela e liga com Monforte.

Quem diria, há 50 anos, que seria possível subir ou descer, três vezes, quase diariamente da camionete, à nossa porta, em Urzelhe no trajecto de Coimbra?

Já depois do 25 de Abril, se construiu uma esplêndida estrada alcatroada, atravessando a ribeira de Fervenças, próximo do fundo dos Valinhos, saindo de junto da padaria de Lamas e subindo a Pousafoles no sítio do Paio Mendes aonde vem dar o caminho do Fraldeu.

Finalmente está aberta uma via que encurta muito a distância de Urzelhe a Lobazes. Louvor e gratidão à influência e esforço dos que contribuíram para a ponte do Porto Rio! Ela foi construída com o pensamento da ligação Urzelhe-Lobazes e do apeadeiro de Lobazes.

O comboio, apesar de correr no extremo da fregue­sia, tornou-se mais nosso. Embora inaugurado em 1907, lá na minha terra, julgamo-lo nosso desde a primeira infância.

No livro dos óbitos de Lamas encontra-se este registo: “Cesário Saguirro, casado com Bernarda de Jesus, de cinquenta e seis anos, natural de Madrid-Espanha, residente em Urzelhe, faleceu em Urzelhe em 29-12-1916”. Em Madrid vivia com a mãe, o padrasto e uma irmã adolescente. Correra a acudir à irmã que estava a ser maltratada pelo padrasto... Matou-o e, com medo de pena de morte, fugiu para Portugal, empregando-se na construção da linha da Lousã. Aquela figura patusca que fazia rir os garotos quando estava no caixão com um chapéu de feltro com mais de meio metro de diâmetro, na cabeça... convencia as nossas imaginações infantis que, sem o Cesário Saguirro, não teríamos comboio.

“Mirante”, Ano 4º, nº 82, 1 jan. 1985, f. 1, 3