Lamas

(Anticlericalismo)

 

Quem lê um pouco o Evangelho, não estranha casos como o do P.e- Caetano Ferreira que teve de abandonar a sua casa e freguesia para ir viver no Espinhal. Na verdade, o que Deus prometeu aos seus, nesta vida, foi o ódio do mundo e as perseguições da nona Bem-aventurança.

Ê de notar que, já nos tempos apostólicos, São Paulo censura que em Corinto (Grécia) uns tomem o partido de Pedro, outros o de Apolo e outros o de Paulo. Não procedem bem — escreve o Apóstolo — devem seguir o partido único, o de Cristo.

Isto entre os baptizados porque nas suas relações com os inimigos da Fé, a sua história continua a escrever-se com sangue.

Por estes tempos, causa inveja aos que seguem a lei de Voltaire — pour écraser 1'infâme (a infame é a Igreja) o acatamento com que a maioria segue os seus padres. Vêde só esta amostra de autores nossos conhecidos:

«...Se repararmos nas assinaturas, algumas como se nota, como por exemplo a adesão da nobreza e especialmente a adesão do clero.

Em Miranda assinaram o Auto onze padres e um frade que decerto, dentro em pouco, haviam de ser os piores inimigos da revolução (de 1820)...» «ralé de frades, picadores e boieiros, de mercenários andrajosos, mendigos amputados e lazarentos.» «Os confessores abrem as portas do Céu aos que deixam às suas Ordens (conventos), ou às suas igrejas o que têm.»

Não admira, pois, que em Lamas também se notem, neste ponto, os efeitos das novas ideias.

Já se narrou quando se tratava da restauração da igreja paroquial, nos fins do século XVIII, que um senhor de Fervenças a quem confiaram os dinheiros, tratou os padres de então duma forma a que se não estava habituado.

O P.e Manuel Teixeira Bacelar, de Rio de Galinhas, era pároco de Lamas desde 1878 e, nessa altura o Pároco era o presidente nato da Junta de Freguesia.

Ora, na Acta de 10-1-879, escreve-se: «que tendo a junta de que foi presidente e tesoureiro (não sei que palavras aqui faltam) tinha recebido a receita da mesma junta, e não obstante não terem ainda sido aprovadas as contas da sua gerência e ,não podendo prever qual o saldo porque a junta de que fez parte, é responsável, vinha contudo entregar a quantia de duzentos e vinte e dois mil e setecentos e dez reis.» Assina esta Acta e não assina mais nenhuma apesar do ter continuado a ser vigário da freguesia durante mais nove anos.

Não é difícil concluir desta pobre redacção que o P.e Bacelar percebeu que se pós em dúvida a sua honestidade. Não esqueçam que a quantia de 222.710 reis desse tempo equivalia hoje a vários milhares de escudos.

Vem, a seguir, o P.e Joaquim Ribeiro mais conhecido pelo nome de P.e Batalha por ser oriundo desta vila. Paroquiou Lamas de 1891 a 1895. Foi no seu tempo que se edificou a residência paroquial (1893). O povo queria-lhe muito. Os da Junta da Paróquia, todavia, não engraçavam com ele.

Nas Actas e no registo da Correspondência da Junta, nota-se: a) que pretendiam obrigá-lo a manifestar à Junta os Ofícios ou Meios Ofícios de defuntos que se realizavam na igreja paroquial; b) que o acusaram ao Arcipreste e ao Bispo: 1.° de não fazer a homilia antes da missa e junto da cadeira paroquial;, 2.° de não ensinar a doutrina às crianças; 3.° de fazer a festa da Senhora do Rosário, com preparação, durante a noite; 4.° não; queriam dar-lhe os paramentos sem ele os requisitar.

E como parecia não lhes prestar atenção, chegaram a pedir ao Presidente da Câmara Municipal que o intimasse a declarar à Igreja o dia e hora em que pretendia receber os tais paramentos.

Mais duma vez me contaram (isto não está escrito) que chegaram ao cúmulo de contratar uns bandidos em Coimbra, para o matar, a ele e à sr.a Victória, sua prima e empregada.

Na noite aprazada para isso, o sr. Lucas de Urzelhe foi ao encontro dos tais bandidos pagar-lhes o combinado e dissuadi-los de realizarem o nefando acto que criaria à freguesia uma fama horrorosa.

Saiu de Lamas em 16-7-1895. Deste ano a 1905, esteve à frente da paróquia o P.e Avelino Domingues. Depois o P.e Fernando Carvalho da Silva.

De 1907 a fins de Maio de 1913 é a vez do P.e José de Sousa Moreira. Atravessou aqueles anos da mudança de regimen.

Era impossível agradar aos republicanos fanáticos... Até que saiu de Lamas para Pombalinho, como pude verificar nos registos de Baptismo daquela paróquia.

Teve contra ele um caso aborrecido de modo que acabou por sair da Diocese, suspenso de todas as Ordens, embora conste haver falecido, reconciliado.

O caso foi este: A filha Maria do tio Mestre Velho teimou em segui-lo para Pombalinho. Vem buscá-la o falecido P.e Cipriano Rosa do Rabaçal que se sabe tê-la procurado para a esclarecer sobre o grande perigo do passo que ia dar.

Em 1915, o novo Bispo Dom Manuel Luís Coelho da Silva tentou pôr a casa em ordem e vários párocos foram suspensos, sendo um deles o P.e Moreira.

Quando ele saiu de Lamas, a freguesia ficou sem pároco próprio, à roda de cinco meses.

Criou-se uma «Cultural». Houve só duas em toda a Diocese; a de Lamas e a do Cadafaz (Gois). A vida religiosa dos paroquianos era independente do Bispo e do Papa. Era regulada por uns Estatutos, guardados pelo sr. Jerónimo Falcão de Urzelhe e assinados pelos homens mais importantes desse tempo, sendo a primeira assinatura a de Joaquim Gomes do Rosário.

Para manter a vida religiosa, chamaram um pobre desvairado que me consta ser originário da Tola.

Eu já era gente e nunca o conheci senão pelo nome de P.e Manuel dos copos. Como a sua posição era insustentável, teve de seguir outra vida e tomou a profissão de polícia. Faleceu no Hospital da Universidade quando eu era seminarista, ainda novo, tendo o Dr. Gonçalves Cerejeira ido à beira do seu leito oferecer-lhe os Sacramentos.

Não sei o seu nome verdadeiro por não ter lavrado um único Assento.

Entretanto, o povo fazia de Podentes a sua paróquia. Era lá pároco o P.e Augusto Patrício dos Santos a quem eu mesmo administrei os últimos Sacramentos.

O P.e Fernando Carvalho da Silva, já citado, que ainda conheci como Pároco de São Paio de Gramaços (Oliveira do Hospital) é que veio reorganizar a vida religiosa da freguesia, durante uns meses, até à entrada, em 1914, do P.e Eduardo Mendes Sena de quem guardamos todas as mais gratas recordações.

“Mirante”, Ano 9º, nº 100, 1 jul.1986, f. 1