O Calvário de Miranda

 

Gravou-se bem na minha memória esta frase dum saudoso professor meu: «”Se conhecêssemos todos os segredos relacionados com um grão de areia, possuíamos toda a ciência do mundo”.

Nesta ordem de ideias, quem pretendesse dizer tudo o que sabe do Calvário da vila de Miranda, não era num artiguito que o poderia fazer, mas pre­cisava de um volumoso livro.

Entre na capela do Calvário que mostra a era de 1899 e o primeiro degrau da escadaria monumental que termina com um altar e a estátua de Cristo-Rei (a que está ligado para sempre o nome do sr. P.e Fer­nando dos Santos Coimbra) há uma grande circunferência de pedra em cujo centro se ergue um elegante Cruzeiro. Nele se pode ler “Missão de 1871 Pio IX concede, etc.”

Nestas palavras, não vejo uma simples lembrança duma qualquer “Missão”. Deve con­siderar-se um monumento que atesta o renascimento religioso que se operou por esses tem­pos.

O P.e Carlos Rademaker, ainda jovem, deixou a sua bela Itália, veio formar-se a Portu­gal... Já noutros tempos o P.e Anchieta, fundador de São Paulo, deixara as Canárias, formou-se em Coimbra e par­tiu para o Brasil, para realizar um sonho que trazia escondido no coração.

O P.e Rademaker, pois, ini­ciou as suas pregações. A ele se juntaram outros varões ilus­tres que percorreram o país. Contavam os antigos que, o povo tinha tanta fome da pa­lavra que os pregadores só iam aos centros principais e os po­vos das freguesias vizinhas acorriam em massa. Os pri­meiros Centros do Apostolado da Oração datam desses anos.

Assim sucedeu em Miranda na “Missão” de que este Cru­zeiro é lembrança. Grandes e pequenos vinham da freguesia de Lamas às pregações e as igrejas não podiam comportar tais multidões. Como no tem­po de Santo António, tinham de pregar nos grandes largos.

Ouvi muitas vezes ao meu pai que foi nessa data que fez em Miranda a sua Primeira Comunhão.

Com efeito, tendo nascido em Dezembro, em 19-8-859, ti­nha então doze anos, a idade própria para isso.

Tanta concorrência obrigava a coroar a festa com uma grande procissão.

Não sei se já repararam que a Cruz Branca também é de 1871. Nesse tempo, ainda não se falava em caminho de ferro nem veículos automóveis. O entroncamento da estrada que segue para o Espinho, era naquele sítio. A Cruz estava no meio do largo e a procissão torneava-a. Só quando as es­tradas se tornaram estreitas para o movimento é que a Cruz se colocou e muito bem ao lado como está.

Muitíssimo menor é o movi­mento no lugar onde se ergue a Cruz do Cabo, em Vila Sêca e, no meu tempo, já foi der­rubada duas vezes.

“Mirante”, Ano 3º, nº 26, 1 maio 1980, p 1, 4